sábado, 23 de junho de 2012

Toda arte é ideológica?





Quando um artista se expressa por sua criação, sua expressão é um produto ideológico, simplesmente uma reprodução das relações vigentes, ou é uma expressão idiossincrática de sua ideia mais interior? Ele (o artista) é livre para se expressar da maneira que quiser? Pode expressar sua cosmovisão?

Tendo como base inicial os Estudos de Uma Cultura Agonizante, de Christopher Caudwell, vou tentar pontuar sobre esta questão.

De início, é necessário colocar em papel as duas maneiras mais usuais de se utilizar a palavra ideologia: 1) de maneira crítica, onde ideologia seria uma forma de dominação, tendo como base o monopólio da produção intelectual de uma classe que, desta forma, afirma seus interesses como interesses coletivos (e os naturaliza), retirando a característica das relações sociais de relações entre sujeitos, para transportá-la à relações em sujeito e coisa. Desta forma, evitando qualquer tipo de conflito que poderia haver entre a classe detentora do poder estatal e a classe explorada. 2) de maneira ampla, como a cosmovisão de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade, sem a relação entre modo de produção e defesa de um interesse de classe. Irei utilizar a primeira definição ao longo do texto, conforme o próprio Caudwell utilizava.

A arte, em Caudwell, é, antes de tudo, a sua função. Arte não é arte se não for reconhecida como tal sob determinados símbolos sociais, ou seja, a expressão artística, em sua tentativa de expressão, é colocada sob trajes sociais que permitem sua leitura, esses trajes sociais fazem parte de um determinado campo de símbolos socialmente reconhecidos e, portanto, quando são utilizados, se reproduzem. A arte, então, seria a expressão do momento histórico, social, político e econômico de uma determinada sociedade, sua função seria determinada pela observação de como ela é assimilada. Para Caudwell, a arte causa aquilo que ele chama de atividade afetiva, uma súbita e momentânea sublimação da moral proibitiva, o ímpeto pela quebra de alguma regra social oculta, de algum tabu, e, após essa fase, a natural tentativa de reintroduzir todos os trajes sociais que, desta forma, foram sublimados. Arte é demonstração das contradições entre a linguagem e as relações sociais materiais.

Desta forma, a tentativa de se expressar de maneira totalmente original, de expressar a pura individualidade sob a forma de arte, seria uma tentativa fadada ao fracasso, pois o sujeito está limitado pelo momento histórico e social que vive, além de estar situado em uma sociedade estruturada e, desta forma, também ser coagido a ter como expressão tal estrutura em que vive e que somente com ela pôde absorver a linguagem utilizada na sociedade correspondente. A arte de consumo, arte para o mercado, desta forma, não seria arte, mas a sua negação, a negação do mercado e a expressão individualista de arte, também não seria arte, seria só “devaneio pessoal” do artista – no fim das contas, ambas são ideologia, ambas são apropriação da arte como aparelho ideológico, sendo a primeira como a demonstração última do mercado como relação entre sujeito e coisa, como algo exterior que comanda nossas vidas, já a segunda, curiosamente, seria a afirmação filosófica do individualismo liberal, a expressão artística de um eu supostamente livre de associações condicionantes, mas que, em última instância, está sendo condicionado pela própria perspectiva liberal – ainda seria ideologia.

Se conscientemente não há a tentativa de manter a ideologia vigente e simplesmente reproduzi-la, essa tentativa acontece pela limitação do sujeito como artista-criador pertencente a um determinado período histórico e do público que se organiza sob determinados símbolos e, por eles, conseguem classificar a arte de inúmeras maneiras. O espaço simbólico é mantido, a obra em si que é sempre modificada.

É por isso que, para Caudwell, a pergunta deve ser: “Que função social a arte está desempenhando?”. Esta pergunta pode ser recolocada em: ela está demonstrando as contradições entre a percepção das relações sociais e a expressão concreta das mesmas relações? Se sim, temos uma arte que participa do processo social, senão, temos uma arte ideológica.

A análise da função da arte vem como tentativa de distinguir aquilo que se pode chamar de arte e aquilo que é reprodução ideológica pura. A arte é o que consegue demonstrar o desalinhamento das relações sociais, a arte é aquilo que, além de expressão, é expressão não-alienada, ou seja, é uma expressão consciente de si. Ao demonstrar as contradições da linguagem e do mundo concreto, ela testemunha um período histórico sob um viés de transformação, e sincero. Desta forma, os diferentes quadros, livros e música de artistas de um determinado período histórico que tentam, a todo custo, expressar uma suposta liberdade artística, que fazem a arte pela arte ou que desdenham esses conceitos e fazem arte para o mercado, são todos iguais. Todos são a reprodução um do outro e, conforme é possível sua reprodução, a arte perde seu valor social, sua unicidade, sua áurea – perde seu testemunho histórico.

Um exemplo contemporâneo pode ser a apresentação de Arrigo Barnabé no Festival de MPB na USP, de 1979, está apresentação foi aquilo que podemos chamar de atividade afetiva emanada do público – os gritos de aclamação e as vaias, muito divididos, demonstram como a música de Arrigo, em todos os detalhes, conseguiu tocar uma ferida da linguagem e causar a sublimação momentânea da moral, juntamente com a imperiosidade da ordem vigente se afirmando pela censura àquilo que se expressava.





Vinicius Siqueira de Lima é pós-Graduando em Sócio-Psicologia, cursando extensão em História da Filosofia, escreve artigos freelance para o Artigo Mundo, tem uma página/blog na seção Lounge, da Obvious, colabora no site Os Cinéfilos e adora escrever sobre livros, filmes e sobre a sociedade em geral. Contato: vinicius.lima121@gmail.com

A Contemporartes agradece a publicação e avisa que seu espaço continua aberto para produções artísticas de seus leitores.


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