quarta-feira, 11 de julho de 2012

Documentos sonoros, Skinheads e a memória do 9 de Julho



Este ano, São Paulo comemorou os oitenta anos da Revolução Constitucionalista. Apesar de uma parte considerável dos paulistas não ter clareza do motivo da efeméride, diversos segmentos da sociedade, como Escoteiros, Maçonaria, estudantes de escolas públicas, associação de colecionadores de militaria, efetivos das polícias Civil e Militar, etc... e, claro, os poucos veteranos ainda vivos, promovem todo dia 9 de julho, em parceria com os governos estadual e municipal, o desfile cívico militar em frente ao "Monumento Obelisco Mausoléu ao Soldado Constitucionalista de 1932", no parque do Ibirapuera. O objetivo principal é exaltar a memória daqueles que lutaram contra o autoritarismo do governo Vargas.
 Além destes grupos, que de uma forma ou outra tem alguma relação direta com o episódio, entre o público é possível perceber um grupo de jovens de cabeças raspadas, calçando coturnos, enrolados em bandeiras do estado de São Paulo ou do Brasil, distribuindo panfletos ou portando faixas: são Skinheads.
Acompanho o evento há alguns anos, por conta do meu ofício de pesquisador do tema juventude e extremismo político e percebo nos trabalhos de campo que o público, de um modo geral, repudia a presença destes jovens, pois eles estariam maculando a memória dos veteranos com sua postura considerada violenta e racista e causando constrangimento ao público presente. No evento do ano passado, por exemplo, me lembro de uma situação na qual um jovem e sua mãe caminhavam tranquilamente até avistar um grupo de Skins. O jovem pergunta assustado a sua mãe: “Olha lá, mãe! Não são aqueles que batem em todo mundo?”. A mãe, instintivamente, acelerou o passo.  
Intrigado pela condição de persona non grata conferida a eles, mas, mesmo assim, por continuarem ali, procuro sempre conversar com estes jovens e entender a motivação de sua presença. Em primeiro lugar, eles procuram deixar claro que não são Skins nazistas e racistas. Estes seriam o Skins racialistas, defensores da supremacia da raça branca e de secessão de São Paulo. Eles afirmam ser nacionalistas, ou seja, antirracistas e defensores da unidade nacional.

Skinhead Nacionalista no desfile em comemoração ao 
aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932. Crédito: Alexandre de Almeida.

Ao questioná-los sobre o que lhes atrai nestas comemorações, a resposta é a identificação com os jovens que há oitenta anos pegaram em armas para defender uma causa. Em outras palavras, é a identificação com ímpeto juvenil de transformação radical da sociedade, mesmo que implique no autossacrifício. É o milenar mito de Davi contra Golias mais uma vez evocado.
Ao mesmo tempo, dizem eles, comemoram a efeméride com a profunda nostalgia de uma época na qual, segundo creem, os paulistas não se acovardavam diante da tirania, algo que não ocorre nos dias atuais.
Chama-me a atenção nestas conversas é que muitos verbalizam, sem meias palavras, seu repúdio pela Democracia e seus mecanismos, como a Constituição elaborada por representantes do povo, justamente o documento pelo qual os jovens de 1932 se propuseram lutar.
 O fascínio destes jovens pela Revolução de 1932, não se resume a manifestações públicas. Existe uma intensa produção de documentos com referências a este episódio, em especial documentos sonoros, na forma de canções de homenagem.
Destaco aqui a canção “1932”, composta pela banda Skinhead Sãocarlense, Tumulto 64. Ela faz parte do CD lançado pela banda, em 2004, intitulado “Calçando suas botas”.
Além de cumprir a sua função mais evidente, que é homenagear o povo de São Paulo da década de 1930, representado pela figura do ex-combatente, por ser o único Estado a efetivamente se rebelar contra o governo Federal, considerado tirânico, ela também serve como um “lugar da memória”, na acepção do historiador francês Pierre Nora que seria, em linhas gerais, um instrumento de resgate da identidade de uma coletividade.
             
Na letra desta canção, os paulistas contemporâneos são herdeiros de um passado glorioso e isto não deve ser apenas comemorado, como diz o refrão. É possível perceber nos versos da canção a mensagem de que o passado é  uma força motriz para ações no tempo presente. Palavras chave como “glória” e “bravura” e a expressão “nunca esquecer”, são comuns neste tipo de canção, pois estimula o ouvinte a assumir o papel de protagonista de seu próprio futuro, mesmo que isto signifique utilizar a força bruta para defender seus ideais.

2 comentários:

Unknown disse...

Muito bem, Alexandre! Também fico intrigado com a identificação que os skins de direita e os militantes integralistas tem com a chamada revolução de 32, já que ela, pelo menos nominalmente, se diz "democrática".
Abraço
Renato

21 de julho de 2012 às 20:43
Unknown disse...

Obrigado, Renato!
De fato, esta questão é muito interessante, pois o evento acaba reunindo uma série de grupos avessos aos ideias democráticos. O que fica claro é que, no final das contas, muitos estão lá para comemorar o mito da excepcionalidade paulista.
Grande abraço do Alexandre.

23 de julho de 2012 às 22:00

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