quinta-feira, 2 de agosto de 2012

ENTREVISTA COM CLAUDIO WILLER

07:


Conheci Claudio Willer no ano passado em uma palestra na UFPR sobre seu livro Geração Beat. Se eu já tinha uma paixão por esse pessoal e sua literatura, meu interesse ficou ainda mais atiçado pela sua palestra, a ponto de fazer um projeto para doutorado tendo como objeto de pesquisa....a geração beat. Devido a diversas circunstâncias tive de mudar meu foco e consequentemente o projeto. Pena...mas não coloquei a idéia definitivamente na gaveta. Depois de uma longa troca de e-mails, Claudio gentilmente nos concedeu essa entrevista, para deleite dos assíduos leitores da nossa coluna. Ei-la, enjoy it!


P. Quando e como surgiu seu interesse pela chamada geração beat?

R. Desde sempre. Desde que caí na vida. Por volta de 1960, beat era tema, despertava grande interesse, principalmente por simbolizar rebelião, subversão de costumes e, é claro, inovação literária. Li On the Road. Em 1961, como relato em Geração Beat, o poeta Roberto Piva apareceu em casa com aquela pilha de edições da City Lights, Ginsberg, Corso, etc – pusemo-nos a traduzir. Em 1967, o convite, de Emilio Fontana, para que eu e Décio bar dirigíssemos espetáculo de poesia beat.

P. Como foi o seu contato com o poeta Allen Ginsberg?

R. Por cartas – uma delas está reproduzida on line, em meu blog e no da L&PM. Esclareceu dúvidas. Depois, fez que eu recebesse suas publicações subsequentes.

P.  O estilo beat influenciou sua produção literária?

R. Quem tem que dizer isso são os críticos. Beat é plural, não sei se há propriamente ‘estilo’ – espontaneidade, partilho. Leitores já identificaram trechos mais discursivos, parecidos com prosa, à escrita beat – mas poetas beat também tinham imagética cerrada. Meu gosto por anáforas: Breton ou Ginsberg? como vou saber? ambos, talvez.

P. Qual foi a motivação para escrever o livro "Geração Beat" que saiu pela L&PM em 2009?

R. Ensaio maior, queria fazer há tempos, prosseguindo o que escrevi sobre Ginsberg, inclusive em minha tradução dele – em 2008 Ivan Pinheiro Machado, ao lançar a coleção Encyclopaedia, L&PM Pocket, me convidou para fazer esse livro.

P. No livro, você considera que o escritor paranaense Paulo Leminski não pertence à geração beat, por que?

R. Ele que não se considerava.... Citei a citação de algumas bobagens que ele escreveu, no posfáciod aquela coletânea de Ferlinghetti. Bons poetas às vezes também escrevem bobagens...

P.  Como esse movimento influenciou especificamente a fotografia?

R. Não sei se ‘influenciou’ a fotografia, do mesmo modo como se poderia falar em influência do surrealismo na fotografia. Mas a beat foi e tem sido muito fotografada. Influenciou ou foi influenciado? Ginsberg era maníaco fotográfico, o acervo dele que vai aparecendo... tem aquela página de internet de Allen Ginsberg, é impressionante, não parava de fotografar. Robert Frank, o grande fotógrafo de The Americans, amigo de Kerouac, que o prefaciou. E muito mais. Mais que influência, foram tema de fotografias – há tantos livros bons de fotografias dos beats.

P.  Como você considera a participação das mulheres na geração beat?

R. Tema controvertido. Alguns autores acham que participação das mulheres foi secundária, que foram mantidas à margem, que alguns beats, especialmente Kerouac, foram machistas, ou então, que, sendo homossexuais, não gostavam muito de mulheres. Mas não é a visão da relação com mulheres dada pro um livro como “Women of the beat generation” de Brenda Knight – muito bom, por sinal. Quero traduzir algo da Diane di Prima, boa poeta e bela figura. A participação foi diversa, desde as boas poetas até as figuras trágicas, as vítimas – houve de tudo. Lembro esse ‘statement’ de Gregory Corso:
"Houve mulheres, estiveram lá, eu as conheci, suas famílias as internaram, elas receberam choques elétricos. Nos anos de 1950, se você era homem, podia ser um rebelde, mas se fosse mulher, sua família mandava trancá-la. Houve casos, eu as conheci, algum dia alguém escreverá a respeito."
A declaração de Corso abre o capítulo de Women of the Beat Generation sobre a poeta Elise Cowen, que se relacionou com Ginsberg e Orlowsky, e, depois de ser internada pela família, suicidou-se em 1962.

P.  Poderia explicar a mística que envolve os beats, na forma como você pesquisou em sua tese?

R. Não.... É um assunto extenso.... Em minha tese, Um obscuro encanto: gnose, gnosticismo e a poesia moderna (Civilização Brasileira, 2010) apenas toco na relação de beats com o gnosticismo. Vou mais fundo em um ensaio de pós-doutorado, pronto e à espera de editor, Geração Beat e místicas da transgressão, em que relaciono beats, especialmente Kerouac, ao “anarquismo místico” tal como estudado por Norman Cohn em The search of the Millenium, sobre rebeliões religiosas medievais. Isso, quanto a misticismo. Já a “mística”, acho que foi por terem exercido influência ao promoverem uma renovação e ao expressarem intensamente uma rebelião

Prá finalizar, um poema da extensa lavra de Claudio Willer, poema inspirado na Praia Mole de Florianópolis, SC, na década de 80.



praia na ilha
 
é assim que eu gosto: ninguém por perto

só o acolchoado de areia macia

estendido entre as dunas

onde o esforço de andar

transforma os passos em gestos voltados para baixo

na direção do caldeirão

onde se debate a fumegante cordoalha

labirinto de convulsões

vazio atravessado por espasmos

novelo de tentáculos de espuma, de correnteza polar 

e as mãos de gelo

que apertam a garganta e deslizam pelo ventre

labaredas de mar, ganchos fincados nas costas

para nos arrastar ao fundo

— penetrar nesse abismo

é navegar o dorso da morte, transformar a consciência

em pátio de ventanias —

mas, no entanto

não somos daqui

viemos de muito longe

para descobrir a derradeira praia deserta

no costão oceânico da ilha

cercada de muralhas de vento e claridade

onde cobertores de maresia

são estendidos sobre nossos corpos

mansamente reclinados

sobre a pele dourada do Tempo
http://claudiowiller.wordpress.com/


                                                             
Claudio Jorge Willer, nasceu em São Paulo em 1940. É poeta, ensaista, crítico e tradutor.
Graduado em Psicologia pela USP e em Ciências Sociais e Políticas pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo obteve o título de Doutor em Letras, pela FFLCH-USP, na área de Estudos Comparados de Literaturas de Lingua Portuguesa com a tese "Um Obscuro Encanto: Gnose, Gnosticismo e a Poesia Moderna", aprovada com distinção e louvor em março de 2008.
Como poeta, Willer distingue-se pela ligação com o surrealismo e a geração beat. Ao lado de  Sergio Lima e Roberto Piva é um dos únicos  poetas brasileiros a receber menção do periódico francês La Bréche - Actión Surrealiste, (criada por André Breton) em fevereiro de 1965.
                                                                                Claudio Willer no lançamento do livro "Dentes da Memória"                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            
                                                                                                                                                
Seus trabalhos estão incluídos em antologias e coletâneas, no Brasil e em outros países. Bibliografia crítica formada por ensaios em revistas literárias, resenhas e reportagens na imprensa, além de citação ou comentários em obras de história da literatura brasileira, como as de Afrânio Coutinho, Alfredo Bosi, Carlos Nejar, José Paulo Paes, Luciana Stegagno-Picchio.
Ocupou cargos públicos em administração cultural e presidiu por vários mandatos a UBE, União Brasileira de Escritores. Co-editou, com Floriano Martins, a revista eletrônica Agulha, de 1999 a 2009. Ministrou inúmeros cursos e palestras e coordenou oficinas literárias em universidades, casas de cultura e outras instituições. Em sua filmografia e videografia, o destaque é para Uma outra cidade, documentário de Ugo Giorgetti com os poetas Antonio Fernando de Franceschi, Rodrigo de Haro, Roberto Piva, Jorge Mautner, Claudio Willer, SP Filmes e TV Cultura, (em 2000).







                                                                                                                           





Izabel Liviski,  é Fotógrafa e Professora de Sociologia, disciplina em que é Doutoranda pela UFPR. Pesquisadora de História da Arte, Sociologia da Imagem e da Cultura, e Linguagens Visuais. Escreve a coluna INCONTROS quinzenalmente às 5as feiras na Revista ContemporArtes.

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