quinta-feira, 16 de maio de 2013

Literatura e Resistência na América Latina



Nestes últimos tempos tive oportunidade de conhecer parte das pesquisas e das produções realizadas pela companheira Lívia Xavier, cientista social e poeta, que, em suma, estuda temas ligado a arte, a estética e a literatura. Percebi que seus objetivos são pertinentes e tangentes à proposta da coluna Ecos da Urbanidade, então a convidei para participar com algumas publicações a respeito de suas pesquisas e colaborar na coluna. 
                                                                                                                            Soraia Oliveira Costa


RESISTÊNCIA E LITERATURA NA AMÉRICA LATINA

Há dois lados na divisão internacional do trabalho: 
um em que alguns países especializaram-se em ganhar, 
e outro em que se especializaram em perder. Nossa comarca 
do mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: 
especializou-se em perder desde os remotos tempos em 
que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar 
e fincaram os dentes em sua garganta. (Galeano, 1990)


O título desta matéria é Literatura e Resistência na América Latina e pretende demonstrar como a literatura pode se opor a estas mazelas que cobrem parte da América em que vivemos. Para começar, selecionei o livro mais incrível que pude ter contato com respeito a nossa história Latino Americana e dar corpo teórico aos acontecimentos que pesam ainda hoje no cotidiano do povo que se especializou em perder. 

Eduardo Galeano.
Fonte: http://dissencialistas.wordpress.com/


Como diz Galeano, os europeus renascentistas, fincaram seus dentes em nossa garganta, mais tarde quem veio fazer este papel foram os interesses norte-americanos com sua política de América para os americanos, vitoriosos ambos se anteciparam na corrida desigual. Usurpando nossos recursos materiais e imateriais, nossas potencialidades, nos subjugando como escravos para produzirmos suas tão almejadas mercadorias, a América é posta como celeiro do mundo. E entra século e sai século, este título continua a vigorar sob o jugo do nosso sangue e sofrimento. Continuamos na via colonial, esta não tem fim... não se acaba, continuamos existindo para suprir as necessidades alheias como fonte do nosso sustento.

Imperialismo norte-americano.
Fonte: Fulvio Grimaldi


Segundo Marx, o primeiro pressuposto de toda a história, é que "os homens devem estar em condições de viver para poder 'fazer história'. Mas para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é portanto, a produção dos meios que permitam a satisfação destas necessidades, a produção da própria vida material." (1973, p. 39) Processo a indagar como um povo que nasceu como um serviçal, produzindo para as necessidades alheias - numa cadeia infinita de interesses nas matérias-primas tropicais, no petróleo, no açúcar, no ferro, no café, nas frutas, nas jazidas de ouro e prata... - pode se constituir como um povo que cria suas próprias necessidades? E como desenvolve sua história? 

Concluo que Infelizmente não houve este tempo sem influência para nós, fomos usurpados para beneficiar as grandes engrenagens de acumulação de capital  que continua efetiva nos grandes centros de poder, ao seu benefício, ao custo de sermos condenados a vivermos como bestas de carga que assistem televisão, e pensam como ela deseja (vale lembrar que todo ideário Latino, é construído sobre os pressupostos americanos).

Neste contexto a literatura, assim como as artes em geral, só podem ser apreendida e explicada no quadro deste processo histórico, mas não somente como um âmbito determinado por tal processo, mas, como componente dele.  A literatura é entendida aqui como fragmentos para ir compondo a humanidade. Os fragmentos desta composição literária não foi tarefa simples, alguns escritores realizaram esta árdua atividade de maneira magistral. Colocaram nos textos as especificidades de cada povo, as tradições e os costumes; em outras palavras a questão da arte é uma parte da questão geral da História em cada época, em cada sociedade.

Para que a obra nasça nestes termos atuando sob os pressupostos e leis gerais que perpassam o mundo, como as relações entre o particular e o universal fazem parte da realidade, e ainda mais, são expressões concretas dela. O artista para captar esta particularidade presente na universalidade, deve apreende-la e desenvolve-la para que sua obra seja realmente efetiva. Goethe foi o primeiro escritor a apreender estas questões tão essenciais na feitura de uma obra “o universal e o particular coincidem; o particular é o universal que aparece em condições diversas e que compreender e representar o particular é o específico da arte”

Estas categorias de universalidade, singularidade e particularidade estão em si veiculadas na práxis, e objetivamente estão unidas numa relação dialética, indo de uma ponta a outra, num processo ininterrupto. No conhecimento teórico, ou seja, na ciência este movimento vai de uma ponta a outra, da singularidade à universalidade e tem a particularidade como a função mediadora para ambos. Já na estética, sob o jugo da obra artística este termo intermediário – o particular - torna-se essencialmente o ponto a ser analisado e sobre tal ponto debruçado pelo artista que se preocupa em deter a realidade objetiva. Neste sentido, trago um poeta brasileiro Ferreira Gullar para mostrar estes conceitos com a própria obra, bem como dar início aqui à resistência destes grandes homens Latino Americanos.

Ferreira Gullar.
Fonte: velhaguardacarloskluwe.blogspot.com

A Bomba Suja

Introduzo na poesia
a palavra diarreia.
Não pela palavra fria
mas pelo que ela semeia.

Quem fala em flor não diz tudo.
Quem fala em dor diz demais.
O poeta se torna mudo
sem as palavras reais

No dicionário a palavra
é mera ideia abstrata.
Mais que palavra, diarreia
é arma que fere e mata.

Que mata mais do que faca,
mais que bala de fuzil,
homem, mulher e criança
no interior do Brasil.

Por exemplo, a diarreia,
no Rio Grande do Norte,
de cem crianças que nascem,
setenta e seis leva a morte.

É como a bomba D
que explode dentro do homem
quando se dispara, lenta,
a espoleta da fome.

É uma bomba-relógio
(o relógio é o coração)
que enquanto o homem trabalha
vai preparando a explosão.

Bomba colocada nele
muito antes dele nascer;
que quando a vida desperta
nele, começa a bater.

Bomba colocada nele
pelos séculos de fome
e que explode em diarreia
no corpo de quem não come.

Não é uma bomba limpa:
é uma bomba suja e mansa
que elimina sem barulho
vários milhões de crianças.

Sobretudo no nordeste
mas não apenas ali,
que a fome do Piauí
se espalha de leste a oeste.

Cabe agora perguntar
quem é que faz essa fome,
quem foi que ligou a bomba
ao coração desse homem.

Quem é que roupo a esse homem
o cereal que ele planta,
quem come o arroz que ele colhe
se ele o colhe e não janta.

Quem faz café virar dólar
e faz arroz virar fome
é o mesmo que põe a bomba
suja no corpo do homem.

Mas precisamos agora
desarmar com nossas mãos
a espoleta da fome
que mata nossos irmãos.

Mas precisamos agora
deter o sabotador
que instala a bomba da fome
dentro do trabalhador.

E sobretudo é preciso
trabalhar com segurança
pra dentro de  cada homem
trocar a arma da fome
pela arma da esperança

       (DENTRO DA NOITE VELOZ  1962 – 1975)


Neste poema, Ferreira Gullar nos trás a problemática da morte por falta de alimento, biologicamente esta morte se dá porque dentro de cada célula há uma organela responsável pela digestão celular chamada lisossomos, esta organela é responsável por levar o alimento ingerido para cada célula e assim constituir a vida em seu percurso natural. Se não há ingestão de alimento estas células continuam a trabalhar, digerindo o que não há. Primeiro digerem as gorduras, depois as proteínas, depois tudo que lhe possa aproveitar do organismo. Até o momento que esta organela – lisossomos – devora a própria célula, este processo chama-se autofagia, ou seja, o corpo devora o corpo. Os sintomas que Gullar descreve sabiamente como A bomba D, são os sintomas provocados por este processo, dicoriose (alergia) diarreia e por ultimo demência. No caso se a pessoa chega a este estágio de demência, mesmo se ela volte a se nutrir, este processo se torna irreversível.

O poeta esta aberto à riqueza das contradições do mundo real, na dialética da realidade e da linguagem, consegue exprimir a particularidade de seu tema de maneira mais rica possível. Estabelece as conexões necessárias e culturais, criando um produto da História. O capitalismo apresenta esta contradição em seu âmago, uns precisam acumular, enquanto outros não dispõem de nada para este acúmulo se dar.

A trajetória da resistência Latino Americana nesta matéria apenas está lançada em sua primeira tentativa, porém desenvolveremos nas próximas matérias, questões tanto relativa ao estudo da Estética bem como exemplos da nossa grande literatura. Trarei um movimento chamado realismo fantástico, que apresenta no seu cerne a resistência do conteúdo e a inovação da forma. 

América Latina em movimento.
Fonte: Diário Liberdade


Até lá...

Referências bibliográficas:

MARX, K., ENGELS, F. Engels. Ideologia Alemã. São Paulo: Hucitec, 1973.
GULLAR, Ferreira. Toda Poesia. São Paulo: Civilização Brasileira, 1981.
GALEANO, Eduardo. As Veias Abertas da América Latina. São Paulo: Paz e Terra, 1990.


Lívia Marcelino Xavier. Bacharelanda e licenciadanda em Ciências Sociais no Centro Universitário Fundação Santo André. Pesquisadora na área de literatura. Curadora das exposições Traços Latinos 2010, composta a poesia Latino Americana; e Caos Calmo,  com poesia de sua autoria e com desenhos de Leonardo Cória ambas expostas no Centro Universitário Fundação Santo André. Desenvolveu oficina com propostas literárias no festival de inverno de Paranapiacaba, ministradas na Casa Amarela no ano de 2011.


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